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EU QUERIA SER UM COMPUTADOR - Eu queria ser um computador para que meus filhos não achassem enfadonho ficar comigo, mesmo quando fosse para não fazermos nada. Nada que renda ou que seja útil. Apenas para ficar conectado.
EU QUERIA SER UM COMPUTADOR
Cris Manfro
Certa vez li um e-mail onde um menino falava que queria ser uma televisão para que seu pai e sua mãe prestassem atenção nele. Pois sabem, há momentos em que eu queria ser um computador. Porque desta forma, quando os meus filhos chegassem em casa, talvez corressem para se conectar a mim. Hoje em dia os filhos não ficam mais do que cinco minutos conectados conosco, conversando com a gente. Mas ficam horas em bate-papos na internet. Adoraria que eles tivessem urgência de mim , assim como têm do computador.
Eu gostaria que eles passassem horas navegando nas minhas idéias, descobrindo o que tenho a lhes contar sobre a vida, sobre o dia-a-dia e, principalmente, sobre o que se passa comigo. Gostaria também que eles tivessem a oportunidade de me contar sobre o que se passa com eles. Apesar de que se hoje quisermos saber alguma coisa dos nossos filhos é fácil. Basta que acompanhemos regularmente o Orkut ou seus blogs.
Eu queria ser um computador para que fosse tratada com a mesma importância. Filho não tem problema de ficar um, dois ou mesmo três dias longe dos pais. Mas não pode passar uma tarde sem o seu computador. Um pai ou uma mãe com problemas não gera sequer um pingo de angústia neles em comparação com um possível defeito no computador, o que para eles é catastrófico.
Eu queria ser um computador para que meus filhos não achassem enfadonho ficar comigo, mesmo quando fosse para não fazermos nada. Nada que renda ou que seja útil. Apenas para ficar conectado. Porque canso de saber de filhos que ficam assistindo videos idiotas na internet por horas a fio. Eu também queria ser um computador para que meu marido dedicasse a mim o tempo que desperdiça olhando sites de compra. Que aquela brecha do trabalho em que ele gasta olhando a cotação da bolsa de valores fosse gasta comigo num telefonema amoroso.
Eu queria ser um computador para ter a nítida sensação de ser visitada. Os amigos não têm mais tempo para visitas fora a do computador. As pessoas gastam mais tempo visitando gente desconhecida em sites da internet do que revendo amigos verdadeiros.
Enfim, eu queria ser um computador com muita potência para proporcionar diversão, instrução e, acima de tudo, prazer e satisfação. Mas nesta situação, caso o meu desejo fosse satisfeito, eu nunca saberia se sou amada ou somente necessária. Então, na condição de humana vou continuar lutando, não para ocupar o lugar do computador, mas para que ele não ocupe o meu lugar.
“Pois sabem, há momentos em que eu queria ser um computador. Porque desta forma, quando os meus filhos chegassem em casa, talvez corressem para se conectar a mim.”
(Artigo publicado na Revista Expansão de novembro de 2007)